Dimas Sakamoto

+Comentários Dan

O texto é bacana, e usa bem os princípios discutidos. Na minha opinião, acho que acabou ficando muito telegráfico para o português, veja o exemplo:

A Biologia Evolutiva é fundamental para a formação de um biólogo. Ela é o eixo central da biologia.
Organiza o pensamento biológico através de conexões entre as diversas disciplinas.

Seria melhor assim:

A evolução é o eixo central da biologia, fundamental na formação dos profissionais da área. A evolução organiza …

Veja que vc precisa trabalhar nessas conexões entre as sentenças.

Importante tomar cuidado também com o tom retórico que por vezes permeia o texto:

Muitas vezes o conteúdo é apenas tratado de forma expositiva. Não se elabora o raciocínio e conhecimento prévio do aluno (Forsythe & Hsu, 2023).

Seria importante aqui trazer o exemplo que os autores deram, em maior detalhe.

De forma geral, constrção e argumentação bastante rica.

Nota 9,5

Ensaio

O adaptacionismo recorrente no ensino e suas consequências para a formação do biólogo

A Biologia Evolutiva é fundamental para a formação de um biólogo. Ela é o eixo central da biologia. Organiza o pensamento biológico através de conexões entre as diversas disciplinas (Fig. 1; Nehm et al., 2009; Vieira & Araújo, 2021). Por exemplo, um gene é selecionado por apresentar uma vantagem adaptativa em um determinado ambiente, sendo herdado pela prole. Adaptação é um tema recorrente na lógica biológica. No entanto, alguns acreditam em sua na capacidade onipotente. Ela seria capaz de explicar qualquer característica morfológica, molecular, comportamental e funcional encontrada nos organismos. Esta lógica ficou conhecida como Pensamento Adaptacionista ou Adaptacionismo. Foi duramente criticada a partir da metade do século XX (Gould & Lewontin, 1979). Apesar disso, até hoje ela é recorrente em livros, debates, mídia e até integralmente defendida por alguns evolucionistas.

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Fig. 1: As disciplinas da Biologia conectadas pela Evolução (Nehm et al., 2009)

O pensamento adaptacionista peca ao se basear em uma relação estritamente causal com o observado no presente momento da história evolutiva. Ou seja, a seleção natural é a única força evolutiva capaz de modelar os traços observáveis. De forma prematura, o adaptacionismo cria hipóteses evolutivas baseadas em um modelo seletivo. Nem sempre necessita de um teste de hipóteses, algo incompatível com a ciência. A exaptação denota quão precipitada o pensamento adaptacionista é. Exaptação é uma característica que não desempenha a função para a qual foi selecionada. Pressões evolutivas distintas da atual selecionaram aquela característica. No entanto, ela atua hoje em uma função completamente diferente (Gould & Vrba, 1982). O adaptacionismo anseia em dizer que essa característica foi selecionada para a sua função atual. Dessa forma, exclui um pedaço da história evolutiva daquela característica. O pensamento adaptacionista acaba desconsiderando outros mecanismos não-adaptativos em sua lógica, como a deriva genética.

A deriva genética é um processo estocástico capaz de tornar um alelo prevalente na população. Ela homogeniza a população genotipica e fenotipicamente. Como consequência, certos traços observados estabelecem-se de forma aleatória (Kimura, 1991). A deriva genética tem igual potencial evolutivo comparado à seleção natural. Na realidade, a deriva é um processo muito mais comum do que a seleção. A Teoria Neutra demonstrou matematicamente que mutações neutras (i.e. mutações sinônimas, em que não há efeito fenotípico perceptível) surgem em maior taxa (Kimura, 1968). E elas são fixadas na população através da deriva genética, e não pela seleção natural (Kimura, 1968; Kimura, 1991). A Teoria Neutra consolidou-se como o novo paradigma da biologia evolutiva a partir da década de 60.

No ensino formal, a Teoria Neutra é desenvolvida em disciplinas de evolução molecular. No entanto, este tema é negligenciado tanto em currículos do ensino básico e superior, quanto em livros-texto (Nehm et al., 2009; BNCC, 2023). No ensino básico, compete por espaço na grade curricular e perde para a seleção natural (Vieira & Araújo, 2021; Forsythe & Hsu, 2023). Assim, os estudantes terminam seu ciclo formal de ensino com concepções restritas e muitas vezes equivocadas. Muitos guardam apenas os exemplos clássicos (e.g. asas surgem em resposta à necessidade de voar; insetos são verdes para se camuflarem entre as plantas). A maioria entende evolução como sinônimo de seleção natural, ou ainda pior, como progresso (Fig. 2; Vieira & Araújo, 2021). Essa concepção é inclusive repetida por estudantes de biologia e até mesmo por biólogos e professores de biologia. Além disso, a seleção natural é mais intuitiva de aprender, principalmente no início do ciclo educacional. Adaptações morfológicas por exemplo podem ser observadas. Genes e mutações são construções mais abstratas.

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Fig 2.: Marcha para o progresso

No ensino superior, os problemas se repetem (Nehm et al., 2009; Forsythe & Hsu, 2023). Evolução molecular novamente é um subtópico pouquíssimo explorado no ensino de Biologia Evolutiva (Ziadie & Andrews, 2018). Quando há espaço na grade curricular, as aulas sobre evolução molecular têm como público-alvo alunos do meio para o fim do curso de graduação (Forsythe & Hsu, 2023). De fato, da literatura que aborda evolução molecular na educação, apenas 1/5 dos artigos direciona o tema aos alunos em início de graduação (Forsythe & Hsu, 2023). Outro aspecto importante é o número de aulas dedicadas a tratar evolução molecular. Na maior parte dos casos, o tema é desenvolvido em uma aula (Forsythe & Hsu, 2023). Além disso, a Teoria Neutra as vezes nem é mencionada (Forsythe & Hsu, 2023). Muitos livros-texto apenas citam-na, sugerindo pouca relevância. Alguns casos, dedicam apenas 1 parágrafo a ela (Forsythe & Hsu, 2023). Esse cenário também parece comum nas universidade brasileiras. Por exemplo, o currículo básico do curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo dedica apenas 1 disciplina para evolução molecular. Nela, apenas 1 aula trata exclusivamente da Teoria Neutra (IB-USP, 2023).

O esforço com o cumprimento do currículo parece maior do que com o entendimento do aluno. Muitas vezes o conteúdo é apenas tratado de forma expositiva. Não se elabora o raciocínio e conhecimento prévio do aluno (Forsythe & Hsu, 2023). Um possível obstáculo para o ensino menos conteudista é a falta de equipamentos laboratoriais e computacionais nas universidades. Simulações e testes empíricos poderiam auxiliar no entendimento da Teoria Neutra (Forsythe & Hsu, 2023). Outro fator que influencia no aprendizado é a base em matemática e genética enfraquecidas (Moura et al., 2013; PISA, 2018). Essa base é fundamental para a compreensão de artigos e livros sobre o tema. Alunos deficientes nestas áreas podem apresentar dificuldade em compreender os modelos matemáticos e abstratos (e.g. Teoria Neutra). A carga horária pesada e a competição por espaço na grade curricular agravam ainda mais o problema.

Como uma das consequências, a Teoria Neutra pode ser mal interpretada. Alguns podem acreditar que a Teoria Neutra e outros mecanismos evolutivos não-adaptativos (e.g. deriva genética) invalidam a seleção natural (Gould & Lewontin, 1979;Nesse, 2005). A Teoria Neutra não sugere a inexistência da adaptação. O bombardeamento constante do adaptacionismo e a ausência de outros mecanismos evolutivos no contexto educacional do estudante gera maior resistência à leitura e discussão sobre o tema. Um estudante deve se atentar às falhas no sistema educacional do ensino de biologia evolutiva. Inclusive durante o curso de graduação em biologia. Alguns cursos oferecem disciplinas optativas focadas em evolução molecular. Há na literatura trabalhos que elaboram os problemas do pensamento adaptacionista (Gould & Lewontin, 1979). Assim é possível compreender que a adaptações não respondem todas as perguntas da biologia evolutiva. Compreender isso é primordial para a formação do biólogo, independentemente dos caminhos profissionais escolhidos. O ensino de evolução molecular é insuficiente. Medidas futuras devem ser consideradas ao longo da formação docente.

Referências
Araújo, L. A. L., & Vieira, G. C. (2021). Ensino de Biologia: Uma perspectiva evolutiva.
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) http://basenacionalcomum.mec.gov.br/
Forsythe, D., & Hsu, J. L. (2023). Neutral theory and beyond: A systematic review of molecular evolution education. Ecology and Evolution, 13(8), e10365.
Gould, S. J., & Lewontin, R. C. (2020). The spandrels of San Marco and the Panglossian paradigm: a critique of the adaptationist programme. In Shaping Entrepreneurship Research (pp. 204-221). Routledge.
Gould, S. J., & Vrba, E. S. (1982). Exaptation: A missing term in the science of form. Paleobiology, 8(1), 4–15.
IB-USP (Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo). Disponível em https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=BIO0208&verdis=5
Kimura, Motoo (1968) Evolutionary Rate at the Molecular Level. Nature, 217:624.
Kimura, M. (1991). The neutral theory of molecular evolution: a review of recent evidence. The Japanese Journal of Genetics, 66(4), 367-386.
Moura, J., de Deus, M. D. S. M., Gonçalves, N. M. N., & Peron, A. (2013). Biologia/Genética: O ensino de biologia, com enfoque a genética, das escolas públicas no Brasil–breve relato e reflexão. Semina: ciências biológicas e da saúde, 34(2), 167-174.
Nehm, R. H., Poole, T. M., Lyford, M. E., Hoskins, S. G., Carruth, L., Ewers, B. E., & Colberg, P. J. (2009). Does the segregation of evolution in biology textbooks and introductory courses reinforce students’ faulty mental models of biology and evolution?. Evolution: Education and Outreach, 2(3), 527-532.
Nesse, R. M. (2005). Maladaptation and natural selection. The Quarterly review of biology, 80(1), 62-70.
PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) (2018). Disponível em http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/83191-pisa-2018-revela-baixo-desempenho-escolar-em-leitura-matematica-e-ciencias-no-brasil
Ziadie, M. A., & Andrews, T. C. (2018). Moving evolution education forward: A systematic analysis of literature to identify gaps in collective knowledge for teaching. CBE Life Sciences Education, 17(1), ar11.

Auto-avaliação

Minha expectativa inicial para a disciplina era mais focada no conteúdo. Muitos dos assuntos eu já havia tomado contato durante a graduação, mas explorado apenas a um nível superficial. Alguns deles eu nem mesmo me lembrava. Esperava com estas aulas recapitula-los. Ao fim da disciplina, acredito que a expectativa foi superada, pois eu não esperava que as discussões em sala fossem acrescentar tanta coisa. Sai com mais dúvidas e coisas para debater sobre o projeto. Quanto à escrita, eu havia tido um contato anterior com escrita acadêmica, mas não desenvolvida da forma que esta disciplina conduziu. O processo foi muito mais importante do que o resultado em si, e aprendi a organizar muito melhor minhas ideias antes de começar a escrever e procurar por conteúdo. Com certeza isso reduzirá o meu tempo olhando uma tela em branco. O desafio de sintetizar informações foi bem grande, do início ao fim, mas foi um processo valioso. O modelo adotado neste ano (disciplina condensada) de fato ajudou a ter mais foco. A cada dia pude ver meu progresso, e foi bastante satisfatório completar um texto relativamente grande, sobre um tema complexo em tão pouco tempo.
Quanto ao meu desempenho, acredito que me dediquei bastante à disciplina. Estive presente em todas as aulas e consegui acompanhar às discussões em sala. Dediquei-me bastante às tarefas a entregar e participei das discussões em grupo durante a produção dos textos. Confesso que a leitura foi algo que deixei de lado. Ao longo das semanas passava a ser muito difícil ler a bibliografia recomendada da aula, preferindo ouvir a discussão em sala. Além disso, acredito que a minha contribuição para as discussões em sala foi insuficiente. Estando no começo do meu projeto, não consegui ainda conectar de forma clara os conceitos tratados em aula. Dessa forma, não consegui trazer
ideias para o debate. Considero isso sendo consequência do costume na graduação de absorvermos o conteúdo sem discuti-lo. Além disso, a forma como lido com o aprendizado é mais introspectivo, preferindo escrever e pensar sozinho no que acabei de ver. Talvez o modelo de disciplina condensada me prejudicou neste aspecto, pois eu não tinha tempo suficiente para "cozinhar" o debate daquele dia na minha cabeça. Minha atenção era sempre requisitada para novos assuntos a cada dia. Apesar disso, levo comigo toda a bibliografia indicada e os debates para trabalhar ao longo do mestrado. Espero também desenvolver melhor minha capacidade de discutir em sala para as próximas disciplinas. Acredito que a nota 8.5 condiz com a minha dedicação nesta disciplina.

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