Bloco 3 - Relatório
O trabalho está bacana e bem apresentado. Apenas faltou incluir aspecto que foi elogiado na apresentação, sobre a comparação com sistemas já propostos.
nota 8.3, será atribuída igualmente exceto se enviarem email do contrário.
Diferentes conjuntos de dados resultam em diferentes topologias no posicionamento de Testudines dentro de Reptilia?
Diferentes conjuntos de dados resultaram em distintas hipóteses filogenéticas sobre o posicionamento de Testudines no clado Reptilia (Fig. 1). Diferentes interpretações de dados morfológicos sugerem duas hipóteses principais: (1) Testudines como grupo irmão dos demais répteis viventes (Zardoya & Meyer, 2001); ou (2) como grupo irmão de Lepidosauromorpha (Sphenodontia + Squamata) (Schoch & Sues, 2016). No entanto, dados moleculares indicam outras topologias. Análises com proteínas nucleares posicionam Testudines como grupo irmão de Crocodylia (Hedges & Poling, 1999), enquanto análises integradas de mtDNA (DNA mitocondrial) e nDNA (DNA nuclear) apoiam o clado Testudines + Archosauromorpha (Crocodylia + Aves) (Kumazawa & Nishida, 1999; Cao et al. 2000; Crawford et al. 2012; Chiari et al. 2012; Card et al. 2023). Visto que processos evolutivos afetam de forma heterogênea diferentes conjuntos de dados moleculares, é comum observar discordâncias entre topologias reconstruídas com diferentes tipos de dados, fenômeno denominado discordância mitonuclear (Maddison, 1997; Toews & Brelsford, 2012). O objetivo deste trabalho é comparar as topologias obtidas com genoma mtDNA e nDNA quanto ao posicionamento de Testudines em Reptilia.
Figura 1. Representantes das principais linhagens de Reptilia: Archosauromorpha, representada por (a) aves e (b) crocodilianos; (c) Lepidosauromorpha; e (d) Testudines. Imagens disponibilizadas no iNaturalist.org, de autores diversos: (a) David de Groot; (b) Oriol Gascón i Cabestany; (c) Riajul Karim; e (d) Roberto Pillon.
Para reconstruir uma árvore filogenética simplificada de Reptilia, selecionamos um representante das seguintes linhagens: (i) Testudines, (ii) Crocodylia, (iii) Aves e (iv) Lepidosauromorpha; e Mus musculus Linnaeus, 1758 (Mammalia) como grupo externo (Tab. 1). Obtivemos as sequências genômicas de nDNA e mtDNA no GenBank (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/). Utilizamos o genoma de referência Metazoa odb10 e a ferramenta BUSCO (Simão et al. 2015) nas sequências de nDNA para reconhecer genes ortólogos. Recuperamos 344 genes, utilizados nas análises posteriores. Assumimos homologia entre os genomas mitocondriais (Okimoto et al. 1991; Boore et al. 2005), portanto utilizando todas as sequências obtidas. Alinhamos os conjuntos de dados com MAFFT (Katoh & Standley, 2016) e refinamos esses alinhamentos com trimAl (Capella-Gutiérrez et al. 2009). Obtivemos uma supermatriz para cada conjunto de dados. Inferimos duas árvores filogenéticas (nDNA e mtDNA) com o critério de Máxima Verossimilhança usando o IQ-TREE2 (Minh et al. 2020). Calculamos o suporte dos clados com 1000 réplicas de bootstrap.
| Linhagem | nDNA | mtDNA |
|---|---|---|
| Aves | Lathamus discolor (Shaw, 1790) (GCF_037157495.1) | Meleagris gallopavo Linnaeus, 1758 (EF153719.1) |
| Crocodylia | Alligator sinensis Fauvel, 1879 (GCF_000455745.1) | Alligator sinensis Fauvel, 1879 (AF511507.1) |
| Lepidosauromorpha | Python bivittatus Kuhl, 1820 (GCF_000186305.1) | Python bivittatus Kuhl, 1820 (NC_021479.1) |
| Mammalia | Mus musculus Linnaeus, 1758 (GCF_000001635.27) | Mus musculus Linnaeus, 1758 (KP260514.1) |
| Testudine | Caretta caretta (Linnaeus, 1758) (GCF_023653815.1) | Caretta caretta (Linnaeus, 1758) (FR694649.1) |
As duas análises suportaram topologias congruentes. Ambos os conjuntos de dados reconstruíram Testudines como grupo irmão de Archosauromorpha (Fig. 2). Nossos resultados corroboram outras reconstruções baseadas em mtDNA (Zardoya & Meyer, 1998; Kumazawa & Nishida, 1999) e dados em escala genômica (Cao et al. 2000; Chiari et al. 2012). A topologia discorda da única reconstrução feita apenas com dados nucleares (Hedges & Poling, 1999). O resultado de Hedges & Poling (1999) foi construído com base em 11 proteínas nucleares e pode ter sido enviesado pela seleção dos loci. Esta discordância reflete a importância da utilização de grande quantidade de genes de história independente em reconstruções filogenéticas (Pamilo & Nei, 1988; Roks & Carroll, 2005).
Nossos resultados convergiram apesar da natureza distinta dos dados utilizados. Em répteis, a discordância mito-nuclear é frequente em cladogêneses recentes (e.g. Wiens et al. 2009; Bernardo et al. 2018), principalmente atribuída a eventos de hibridização e retrocruzamentos. Por outro lado, não encontramos casos de discordância mito-nuclear em clados mais abrangentes em Vertebrata, embora esta seja frequente em outros metazoários (Quattrini et al. 2023). É possível que dados mitocondriais não sejam explorados nestes níveis taxonômicos pela sua alta taxa de mutação (Berlin, Smith & Ellegren, 2004; Brown, George & Wilson, 1979). Adicionalmente, o tamanho populacional efetivo menor e consequente maior intensidade da deriva genética no genomas mitocondriais reforçam que este conjunto de dados é pouco informativo em clados mais abrangentes (Funk & Omland, 2003; Després, 2019). Os valores diferentes de bootstrap podem estar associados a estes fatores. A árvore gerada com nDNA apresentou valores de suporte maiores para ambos os clados (100). A reconstrução com mtDNA apresentou valores menores (91 e 81), embora estes também sejam considerados robustos (Hillis & Bull, 1993). Valores de bootstrap são diretamente afetados pela quantidade de genes e sítios discordantes (Soltis & Soltis, 2003). Desta forma, concluímos que apesar de ambos os conjuntos de dados recuperarem a topologia aceita atualmente para Reptilia, o mtDNA é menos informativo no nível taxonômico investigado.
Referências Bibliográficas:
- Berlin, S., Smith, N.G.C., Ellegren, H. (2004). Do Avian Mitochondria Recombine? Journal of Molecular Evolution, 58 (2), 163–167.
- Boore, J. L., Macey, J. R., & Medina, M. (2005). Sequencing and comparing whole mitochondrial genomes of animals. In Methods in enzymology (Vol. 395, pp. 311-348). Academic Press.
- Brown, W.M., George, M. & Wilson, A.C. (1979). Rapid evolution of animal mithocondrial DNA. Proceedings of the National Academy of Sciences, 76(4), 1967-1971.
- Cao, Y., Sorenson, M.D., Kumazawa, Y., Mindell, D.P & Hasegawa, M. (2000). Phylogenetic position of turtles among amniotes:evidence from mitochondrial and nuclear genes. Gene, 259, 139-148.
- Capella-Gutiérrez, S., Silla-Martínez, J. M., & Gabaldón, T. (2009). trimAl: a tool for automated alignment trimming in large-scale phylogenetic analyses. Bioinformatics, 25(15), 1972-1973.
- Card, D. C., Jennings, W. B. & Edwards, S. V. (2023). Genome evolution and the future of phylogenomics of non-avian reptiles. Animals, 13(3), 471.
- Chiari, Y., Cahais, V., Galtier, N., & Delsuc, F. (2012). Phylogenomic analyses support the position of turtles as the sister group of birds and crocodiles (Archosauria). BMC biology, 10, 1-15.
- Crawford, N.G., Faircloth, B.C., McCormack, J.E., Brumfield, R.T., Winker, J. & Glenn, T.C. (2012) More than 1000 ultraconserved elements provide evidence that turtles are the sister group archosaurs. Biology letters, 8, 783-786.
- Hedges, S. B. & Poling, L.L. (1999). A Molecular Phylogeny of Reptiles. Science, 283(5404).
- Hillis, D. M., & Bull, J. J. (1993). An empirical test of bootstrapping as a method for assessing confidence in phylogenetic analysis. Systematic biology, 42(2), 182-192.
- Katoh, K., & Standley, D. M. (2016). A simple method to control over-alignment in the MAFFT multiple sequence alignment program. Bioinformatics, 32(13), 1933-1942.
- Kumazawa, Y. & Nishida, M. (1999). Complete mitochondrial DNA sequences of the green turtle and blue-tailed mole skink: statistical evidence for archosaurian affinity of turtles. Molecular Biology and Evolution, 16:784-792.
- Maddison, W.P. (1997). Gene Trees in Species Trees. Systematic Biology, 46, 523–536.
- Minh, B. Q., Schmidt, H. A., Chernomor, O., Schrempf, D., Woodhams, M. D., Von Haeseler, A., & Lanfear, R. (2020). IQ-TREE 2: new models and efficient methods for phylogenetic inference in the genomic era. Molecular biology and evolution, 37(5), 1530-1534.
- Okimoto, R., Chamberlin, H. M., Macfarlane, J. L., & Wolstenholme, D. R. (1991). Repeated sequence sets in mitochondrial DNA molecules of root knot nematodes (Meloidogyne): nucleotide sequences, genome location and potential for host-race identification. Nucleic acids research, 19(7), 1619-1626.
- Pamilo, P., & Nei, M. (1988). Relationships between gene trees and species trees. Molecular biology and evolution, 5(5), 568-583.
- Quattrini, A. M., Snyder, K. E., Purow-Ruderman, R., Seiblitz, I. G., Hoang, J., Floerke, N., … & McFadden, C. S. (2023). Mito-nuclear discordance within Anthozoa, with notes on unique properties of their mitochondrial genomes. Scientific Reports, 13(1), 7443.
- Rokas, A., & Carroll, S. B. (2005). More genes or more taxa? The relative contribution of gene number and taxon number to phylogenetic accuracy. Molecular biology and evolution, 22(5), 1337-1344.
- Schoch, R. R., & Sues, H. D. (2016). The diapsid origin of turtles. Zoology, 119(3), 159-161.
- Simão, F. A., Waterhouse, R. M., Ioannidis, P., Kriventseva, E. V., & Zdobnov, E. M. (2015). BUSCO: assessing genome assembly and annotation completeness with single-copy orthologs. Bioinformatics, 31(19), 3210-3212.
- Soltis, P. S., & Soltis, D. E. (2003). Applying the bootstrap in phylogeny reconstruction. Statistical Science, 256-267.
- Toews, D.P.L., Brelsford, A. (2012). The biogeography of mitochondrial and nuclear discordance in animals. Molecular ecology, 21(16), 3907-3930.
- Zardoya, R., & Meyer, A. (2001). The evolutionary position of turtles revised. Naturwissenschaften, 88, 193-200.

