Ricardo Lombardi

Auto avaliação

Ao longo do curso acredito que novos conceitos (que eu pensava entender) me foram melhor apresentados. Assim temas que eu entendia de maneira confusa foram delimitados. Entre esses temas destaca-se a teoria neutra, algo que eu realmente me interessei bastante. Por ter lido algumas das obras de Stephen Jay Gould, o tema do "programa adaptacionista", já me era conhecido e me era de bastante curiosidade, e nesse cenário descobrir a teoria neutra preencheu um espaço de conhecimento. Permitindo ver com outros olhos algo que eu pensava conhecer bem. Minha participação ativa nas aulas e frequência (quase sempre pontual) me servem como pontos positivos. Contudo uma dificuldade no entendimento dos últimos temas me obrigara a revisar alguns dos temas. Nota=9,0

Comentários Dan

O texto apresenta uma visão histórica de como diferentes linhas de pensamento surgiram em biologia evolutiva. Está muito bem escrito. Na minha opinião, ficou um pouquinho mais denso do que o desejado: a última parte sobre comportamento humano é bastante extensa e talvez não coubesse nesse tema. Ao invés deste tópico, teria sido melhor direcionar a discussão para o assunto do tema sorteado "ensino formal de biociências"… Note que apesar de bacana a discussão mal encostou no tópico central, mas tudo bem.

Nota: 9

Adaptacionismo no paradigma darwiniano

Alvo: Colegas de sala e estudantes de graduação na matéria de história e filosofia da ciência

Adaptação é um termo central na biologia evolutiva. Em A Origem das Espécies Darwin expressa seu assombro pelas adaptações encontradas no mundo natural:

Confesso que parece ser um absurdo no mais alto grau supor que o olho – com todos os seus artifícios inimitáveis para ajustar o foco para diferentes distancias, para aceitar a entrada de quantidade diferentes de luz e para a correlação de aberrações esféricas e cromáticas – possa ter sido formado pela seleção natural (Darwin, 2018 p. 197).

O olho humano não aparece atoa nos exemplos de Darwin. O olho humano era o principal exemplo de Paley, fundador da Teologia Natural. Paley enxergava no olho uma máquina perfeitamente ajustada a função específica da visão. Darwin crescera em um ambiente dominado pela filosofia de Paley. A Teologia Natural justificava a existência do divino a partir da “complexidade irredutível” dos órgãos intricados. Segundo Paley o agente divino agiria como um relojoeiro, ajustando as engrenagens de suas máquinas. Moldando os seres vivos na direção de fins específicos. As adaptações dos seres vivos eram o grande desafio de Darwin, e a seleção natural o mecanismo descoberto pelo naturalista. A seleção natural explicaria a adaptação na natureza sem a necessidade de um Criador (Bizzo, 2010). Nos termos do zoólogo Richard Dawkins, a seleção natural atuaria como um “relojoeiro cego”. A seleção, assim como o relojoeiro, moldaria os organismos, mas nesse caso sem a percepção de um fim pré-estabelecido (Dawkins, 2001). Porém, recentemente biólogos questionam o peso atribuído a seleção natural. Novos conceitos como a deriva genética, exaptação e a teoria neutra seriam mecanismos alternativos a seleção natural.

Naturalistas discutiam o papel da adaptação antes da emergência do paradigma darwinista. Um debate da primeira metade do século XIX que ficou conhecido como forma x função. De um lado tínhamos os funcionalistas como Cuvier e Buckland, do outro, os estruturalistas como Geoffrey Saint-Hilaire, Richard Owen, e Goethe. Cuvier explicava a anatomia animal por meio da função de suas partes. As similaridades entre os membros ou órgãos eram fruto exclusivo de sua função no organismo. Na Inglaterra Paley e Buckland, associados a uma agenda religiosa, justificariam a existência de uma inteligência criadora no design dos seres vivos (Gould, 2002). Os estruturalistas diriam que um plano corporal básico (bauplan) seria uma explicação tão importante quanto a função na laboração do plano corporal. Goethe e Richard Owen elaboram o conceito de um arquétipo vertebrado. O arquétipo estabeleceria um padrão fundamental. Uma força especializadora agiria sobre o arquétipo (Owen, 1849; Amundson, 2007). Em A Origem das Espécies Darwin tenta unir ambas escolas, tornando o arquétipo em um ancestral de “carne e osso” e o Agente Divino de Paley na seleção natural.

Ao longo dos anos, a seleção natural tornou-se a principal explicação evolutiva, com poderes quase ilimitados. Essa visão é defendida por Ridley (1987) no seguinte trecho:

“A seleção natural examina diariamente e de hora em hora, em todo o mundo, cada variação, mesmo a menor; rejeitando o que é ruim, preservando e somando tudo que é bom; trabalhando silenciosa e insensivelmente. Não vemos nada desses lentos mudanças em andamento, até que o ponteiro do tempo tenha marcado o longo lapso de eras” (Ridley 2009, p. 87)

A adaptação tornou-se o paradigma dominante na biologia evolutiva. Ensinar evolução se tornou sinônimo de ensinar o poder da seleção natural. Livros didáticos apresentariam o tema da evolução por meio de uma série de exemplos repetidos da seleção natural na natureza. Entre os exemplos mais utilizados encontramos os tentilhões-de-galápagos e as mariposas da revolução industrial. Assim, o formato dos bicos-dos-tentilhões funcionaria como ferramentas destinadas a alimentos específicos. E o padrão de cor das mariposas escuras uma adaptação para se camuflar nos troncos sujos e cheios de fuligem das florestas britânicas. Deste modo, os cientistas envolvidos no programa adaptacionista esqueceram a descendência comum e a homologia, focando quase que exclusivamente na modificação e as razões por trás dessa modificação (Gould, 2002).

Gould e Lewontin (1979) cunharam o termo “programa adaptacionista” ou “programa panglossiano”. O termo sintetiza a visão de cientistas que colocariam na seleção natural um poder quase tão grande quanto aquele nas mãos do Criador de Paley. O segundo nome seria uma referência a figura do Dr Pangloss, personagem do conto Candido de Voltaire. Segundo Pangloss, o mundo era o melhor dos mundos possíveis:

“As coisas não podem ser diferentes do que são. Tudo é feito tendo em vista o melhor dos fins. Nosso nariz foi feito para segurar óculos; e por isso temos óculos. Nossas pernas visam claramente o culote, e por isso nós o usamos”.

Gould defende que o adaptacionista ferrenho teria uma visão análoga a de Pangloss. Em seus textos Gould constantemente deu exemplos de cientistas com uma visão panglossiana. Por bastante tempo cientistas tentaram achar explicações para o fato do quivi, uma pequena ave ratita da Nova Zelândia, botar um dos maiores ovos dentre as aves. Segundo darwinistas convictos os quivis tirariam algum proveito desse ovo extralargo por meio de uma seleção positiva ao longo das gerações. Possivelmente ele forneceria mais vitelo aos filhotes dessa ave em uma fase crítica da sobrevivência. Contudo, estudos indicaram que na verdade os ancestrais do quivi sofreram um processo de miniaturização. O ovo por sua vez não acompanhou a miniaturização. Dessa maneira o ovo grande seria um subproduto desagradável da diminuição do quivi e não uma adaptação (Gould, 1992).

Outros fenômenos agiriam em paralelo com a seleção natural: à deriva genética (principalmente em populações pequenas), a teoria neutra da evolução, a exaptação entre outros. Segundo os críticos do programa adaptacionista quase tão importante quanto a seleção natural, seria a estrutura ancestral do organismo. A seleção natural agiria sobre um modelo de um bauplan limitante. Aquilo que anos antes estruturalistas como Owen e Goethe tinham definido como um arquétipo. Em contrapartida os adaptacionistas ferrenhos atomizariam os seres vivos. Tratando cada órgãos ou membro separadamente; como se a seleção natural pudesse agir sobre eles independentemente (Gould, 2002).

A teoria neutra da evolução predizia que uma parte significativa das mutações que ocorreriam em nível molecular sem uma função adaptativa direta. Sendo mutações redundantes, nem boas nem ruins. Já a deriva genética predizia que em populações pequenas mutações poderiam se fixar em uma em um grupo de organismos por pura aleatoriedade (Ridley, 2009). Logo os biólogos revisionistas defendem que parte da evolução biológica estaria diretamente relacionada a doses de aleatoriedade. Já defensores do programa adaptacionista não negariam a existência desses fenômenos, mas diriam serem os mesmos de pouca importância em relação a seleção natural.

Não apenas partes do corpo foram alvo do programa adaptacionista. Biólogos e psicólogos evolutivos tentaram justificar muitos dos comportamentos humanos e animais como fruto de adaptações diretas. A etologia talvez esteja até hoje entre as áreas com maior influência da visão panglossiana. Inclusive criando termos específicos como: “causas proximais “para os fenômenos ambientais e fisiológicos por trás de um comportamento, e “causas distais” para as pressões seletivas por trás do mesmo comportamento (Randay & Palmer, 2001). Exemplos famosos de explicações a comportamentos por meio de causas distais são encontrados em livros como Sociobiologia de Wilson, O Gene Egoísta de Richard Dawkins, Tabula Rasa de Steven Pinker e The Natural History of Rape de Randay e Palmer.

Dawkins (1976) defendeu que a base do comportamento animal está na taxa de sobrevivência dos genes. Segundo a visão de Dawkins o alvo principal da evolução não seria o indivíduo, mas sim o gene por trás da característica selecionada. A seleção em nível do gene seria a causa distal por trás tanto do altruísmo como egoísmo. Alguns comportamentos aumentaram nossa chance de sobrevivência e consequentemente taxa de sucesso reprodutivo. Um dos exemplos usados logo no inicio de seu livro, o canibalismo sexual perpetrado pela fêmea do louva-deus serve de exemplo. Para Dawkins o canibalismo sexual garantiria uma vantagem reprodutiva ao louva-deus. O macho já teria transmitido seus genes adiante e servir de alimento a fêmea aumentaria as chances de sobrevivência da própria fêmea que agora carrega a prole com metade de seus genes. Outros autores vêm nessa visão um exagero. Defendendo que a fêmea do louva-deus tem uma tendência a capturar qualquer inseto que se locomova em sua frente. Logo a predação do macho nada mais seria que um subproduto das circunstancias, sem um significado adaptativo oculto por trás (Gould, 1990).
A discussão entre os adeptos do programa Panglossiano e revisionistas é complexa. Com ambos apresentando argumentos validos. Decidir por um ou por outro não é o objetivo desse texto. Me propus apenas a expor o cenário no qual essa discussão se desenvolveu com exemplos pontuais. Todavia é possível acabar com uma breve conjectura. O fato de a seleção natural ser até hoje o centro da teoria darwinista possivelmente é um fruto da história. Darwin moldou sua teoria esperando muitos críticos adeptos da Teologia Natural. Logo adaptação foi o centro do debate. Se Darwin tivesse nascido na Alemanha onde o estruturalismo era predominante, não se espantaria que o centro da discussão evolutiva fosse a ancestralidade comum ou a homologia.

Referências
Amundson, R. (2007). Richard Owen and animal form. Richard Owen. On the Nature of Limbs, Chicago, The Chicago University Press, pp. xv-li.
Bizzo, N. M. (2010). Darwin e o Rompimento com a Teologia Natural de Paley. Brazilian Geographical Journal: Geosciences and Humanities Research Medium, 1(1), 5.
Dawkins, R. (2001). O relojoeiro cego. São Paulo: Companhia das Letras.
Dawkins, R. (1979). O gene egoísta.
Darwin, C. (2018). Origem das espécies: ou A preservação das raças favorecidas na luta pela vida. Edipro
Gould, S. J., & Lewontin, R. C. (1979). The spandrels of San Marco and the Panglossian paradigm: a critique of the adaptationist programme.
Gould, S. J. (1990). O sorriso do flamingo: reflexões sobre história natural. São Paulo: Martins Fontes.
Gould, S. J. (1992). Viva o Brontossauro: reflexões sobre história natural. Companhia das letras.
Gould, S. J. (2002). The structure of evolutionary theory. Harvard university press.
Owen, R. (1849). On the nature of limbs: a discourse delivered on Friday, February 9, at an Evening Meeting of the Royal Institution of Great Britain. J. van Voorst.
Ridley, M. (2009). Evolução. Artmed Editora.
Thornhill, R., & Palmer, C. T. (2001). A natural history of rape: Biological bases of sexual coercion. MIT press.

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